Continuando no caminho da sustentabilidade
Agricultura de Precisão?
Nos processos de agricultura de precisão utilizam-se tecnologias de última geração que recorrem a dados recolhidos através diversos sensores tais como imagens provenientes de satélite ou captadas em voo com sistemas aéreos não tripulados (mais conhecidos por drones), que se podem complementar juntando dados adquiridos com sensores distribuídos no terreno. Sendo que estes últimos podem recolher características tais como a composição química dos solos, a sua temperatura e humidade, a temperatura do ar, e os sistemas e recursos hídricos.
A análise dos resultados proveniente de diferentes técnicas de produção ou de ajustamentos às práticas e calendários agrícolas em parcelas vizinhas é revista através da combinação das informações provenientes da monitorização por sensores que são integrados com dados meteorológicos e dados de terceiros para mostrar qual a combinação de fatores de produção mais adequada para obter os melhores resultados.
Trata-se de uma abordagem simultaneamente pormenorizada e holística da produção: procura-se encontrar as variáveis ótimas para cada elemento de parcela de agricultura ou de silvicultura, de modo a atingir o ótimo global, e identifica-se e diferencia-se os constrangimentos e os problemas que podem afetar de forma diferente as parcelas vizinhas. Estas informações são igualmente úteis para os algoritmos que estabelecem diferentes modelos e cenários preditivos em função das espécies de produtos, do clima e das condições do solo encontradas em cada cenário. A compreensão das consequências causa-efeito subjacentes ajudará a transferir os conhecimentos e as práticas de uma área para outra.
Na newsletter anterior, ilustrámos como uma pequena floresta composta por 14 parcelas apresenta desempenhos diferentes no final do período de crescimento quando exposta a uma prática agrícola comum. Se, neste caso, tivessem sido utilizados métodos de agricultura de precisão ao longo do período de crescimento, é provável que o número, a altura e o diâmetro das árvores pudessem ter sido orientados para resultados melhores.
Este tipo de agricultura tem como objetivo fornecer informação que, de uma forma clara, possa fundamentar tomadas de decisão conscientes que, por sua vez, se pretende que venham a conduzir à otimização dos diversos recursos alocados ao processo de produção:
- Recursos Naturais –Hídricos, solo, ar, património genético da planta;
- Produtos aplicados – Fertilizantes, nutrientes, fitofarmacêuticos;
- Equipamentos e energia;
- Trabalho Humano.
Uma das vantagens da agricultura de precisão em relação à agricultura tradicional revela-se na capacidade de permitir analisar e gerir as culturas dividindo-as em “sub-zonas”, específicas, consoante as diferenças de resultados (ou problemas) que forem sendo detetados.
Ao combinar sensores que produzem dados geo-referenciados com atuadores geo-referenciados que podem agir sobre a produção, distribuindo os recursos “à la carte” e, em paralelo, escolher as melhores técnicas de produção para cada sub-zona, possibilita a implementação de um sistema de gestão agrícola que se deseja mais sustentável e que apesar de a curto prazo poder indiciar maiores custos de implementação e a nível da formação, os seus objetivos a médio-longo prazo consistem em reduzir a utilização de recursos e melhorar a saúde humana e vegetal e, em última análise, os benefícios ambientais e económicos da agricultura ou da silvicultura.
Deteção Remota Multiespectral:
Aproveitando o conhecimento operacional adquirido nos levantamentos de dados com LiDAR, a equipa de Operações com UAS (Unmanned Aircraft System, ou drones) da Albatroz mergulhou na deteção remota de imagens utilizando uma câmara multi-espectral – Micasense Altum – acoplada ao drone quadricóptero ZD550 produzido pela NexxUAV.
Nas imagens seguintes mostra-se a câmara multiespectral e o quadricóptero utilizado.
Figura 1: Altum – Câmara Multiespectral (e DLS2)
Figura 2: Quadricóptero com a Altum acoplada
A câmara Altum é um sensor com as seguintes características principais [1]:
Integra 5 bandas espectrais: Blue, Green, Red, Red Edge, Near Infrared (NIR) com uma câmara térmica LWIR (Long Wavelength Infrared) de calibração radiométrica, sendo a captação de todas estas imagens realizada no mesmo instante.
- O comprimento de onda (medido em nm) de cada banda dos sensores da Altum está graficamente representado na imagem seguinte:
Figura 3: Caracterização da banda espectral de cada um dos sensores da Altum
A câmara funciona ligada a um sensor de luminosidade (DLS 2 – Figura 4) que capta valores de intensidade e de ângulo de incidência dos raios solares, o que permite adquirir dados com melhor precisão radiométrica. Como tem sensor GNSS integrado do tipo GPS+, ficando esses dados georreferenciados.
Figura 4: Sensor de luminosidade – DLS2 – acoplado à Altum
A mais-valia deste tipo de câmara multiespectral é a de permitir, devido às suas características, realizar o processamento dos dados adquiridos de forma a determinar, para além de modelos digitais de terreno e de superfície (DTM/ DSM), Índices de Vegetação que são calculados relacionando matematicamente os valores de refletância nas diferentes bandas juntamente com os valores de temperatura dados pela câmara térmica e que podem fornecer informação sobre o estado em que se encontram os solos e sobre o vigor das culturas nos seus diferentes estágios, nomeadamente no que diz respeito aos valores de stress hídrico.
Esta informação pode também ser obtida recorrendo a imagens de satélite, contudo, ou os custos são muito elevados, ou são mais aceitáveis, em detrimento da resolução espacial e temporal [2]. Consoante a dimensão da área a monitorizar pode ser interessante complementar a informação dada por imagens de satélite com menor resolução espacial (mas cujas fórmulas de cálculo já têm em conta as correções atmosféricas necessárias), com informação aferida com dados captados por sensores acoplados a UAS, (mas cujos métodos de correção atmosférica utilizados ainda estão a ser alvo de estudo).
Método e Levantamento de dados em pomar de prunóideas:
A título de “aquisição de conhecimento em posto de trabalho” de Janeiro de 2023 a Junho de 2023 foram planeados, pela equipa de operações com UAS da Albatroz, quatro levantamentos completos numa zona de prunóideas (maioritariamente cerejeiras mas também pessegueiros) com cerca de 40 hectares, em diferentes alturas do processo de produção:
- Final de Janeiro –> Inverno -> Árvores sem folha nem fruto;
- Março -> Início da Primavera -> Árvores floridas com folha a nascer;
- Início de Maio -> Primavera -> Árvore com fruto e folhas;
- Final de Junho -> Início Verão -> Após colheita, árvore com folhagem.
Os voos foram inicialmente realizados a 100 m AGL (=altura acima do solo) e a 85 m AGL de modo a ser possível comparar as vantagens de realizar voos com maior distância em relação ao objeto e consequentemente maior velocidade em relação ao solo e menos pormenor no solo (menor GSD), tendo-se verificado no processamento dos dados que havia zonas com falta de imagens a 100 m AGL, pelo que se optou por adotar o nível de 85 m AGL nos voos seguintes.
O software de planeamento de voo utilizado em todos os levantamentos de dados foi o UgCS. A imagem seguinte mostra o desenho de um dos voos planeados com o ZD550 e Altum acoplada, para uma das zonas do pomar, onde estão especificados os parâmetros, tais como o espaçamento lateral (sobreposição lateral), velocidade em relação ao chão e altura de voo (AGL) pretendida.
A figura seguinte mostra os parâmetros de operação que foram programados para os voos.
Figura 5: Parâmetros de voo utilizados
O método de captação das imagens adotado foi o “Overlap”, que nos pareceu mais adequado e fiável uma vez para o tipo de terreno em questão que se trata de uma zona praticamente plana, logo sem grandes variações de relevo. Através deste método a câmara é acionada sempre que atinja o valor de sobreposição longitudinal (ao longo do caminho que está a percorrer) previamente definido. É também um método bastante “económico” em termos de memória de dados pois apenas inicia a captação de imagens acima de uma altura de referência pré-definida.
Antes e após cada descolagem e aterragem do UAS é tirada uma fotografia que serve para a realização da calibração radiométrica durante a fase de processamento das restantes imagens. Esta fotografia é tirada sobre um painel calibrado (que acompanha a câmara desde o momento da sua aquisição). Cada sensor Altum produzido está relacionado com seu painel calibrado, sendo fixos e relativos a este painel, os valores de refletância (referentes a cada uma das bandas) para fins de calibração e que estão programados no software da câmara. A imagem seguinte mostra o painel de calibração.
Figura 6: Painel de calibração
Exemplos comuns de índices de vegetação aferidos:
Na literatura sobre os temas da agricultura de precisão e da deteção remota com recurso a imagens de satélite e de UAS encontra-se referência a vários índices de vegetação, alguns são úteis para medir a percentagem de clorofila nas folhas das plantas, outros podem ser utilizados para calcular o teor de azoto ou ainda indicar o grau de stress hídrico da vegetação. Há índices mais antigos tal como o NDVI (Índice de Vegetação por Diferença Normalizada) que foi pela primeira vez determinado por J. W. Rouse, em 1974 [3], outros mais recentes que vêm colmatar as lacunas que os índices mais antigos deixam à vista.
Alguns exemplos e definições:
- NDVI – Índice de Vegetação por Diferença Normalizada:
À medida que aumenta o nível de clorofila da planta, aumenta a intensidade da refletância no NIR e diminui na banda Red. Os valores de NDVI podem assim ter um máximo de 1, com valores mais baixos a indicar menor vigor da planta. O NDVI é também relativamente eficaz na distinção entre vegetação e solo e é normalmente recomendado para identificar diferenças na biomassa acima do solo, através do tempo ou no espaço. O NDVI é mais eficaz a retratar a variação na densidade das copas durante os estágios iniciais e intermediários de desenvolvimento, mas tende a perder a sensibilidade em altos níveis de densidade de copas.
- NDRE – Índice de Vegetação por Diferença Normalizada Red Edge
Tal como o NDVI, o NDRE é sensível ao conteúdo de clorofila nas folhas, mas também à variabilidade da área foliar e aos efeitos de fundo do solo. Valores altos de NDRE representam níveis mais altos de teor de clorofila foliar do que valores mais baixos. O solo normalmente apresenta os valores mais baixos, as plantas menos saudáveis traduzem valores intermediários e as plantas saudáveis identificam-se pelos valores mais altos.
O NDRE (figura 7) traduz-se num melhor indicador de saúde/vigor da vegetação do que o NDVI no caso de vegetação mais madura pois, ao contrário do NDVI, geralmente não perde sensibilidade quando as plantas já acumularam um nível crítico de cobertura foliar ou teor de clorofila [4].
Figura 7: NDRE gerado com a Altum numa das zonas de interesse no pomar
Tal como mencionado inicialmente, com as imagens da câmara multiespectral, para além dos índices de vegetação é igualmente possível determinar modelos digitais de terreno e de superfície (DTM/ DSM) bem como gerar um ortomosaico (representação fotográfica da área de interesse (a figura 8 mostra um exemplo de ortomosaico).
Figure 8: Orthomosaic of the area of interest
Continuidade do trabalho:
Os próximos passos deverão ser no sentido de estudar a informação gerada pelos dados adquiridos ao longo deste ciclo de produção, correlacioná-la com dados fornecidos pelos sensores existentes no terreno (avaliação das características do solo, etc.) e com os registos meteorológicos (tais como os que provêm das estações meteorológicas da Direção Regional de Agricultura e Pescas, de forma a encontrar padrões e modelos que levem a identificar as eventuais necessidades de otimização de determinados recursos.
Conclusões:
A produção agrícola e agroflorestal de precisão faz sentido, e urge, no que diz respeito à colocação em prática da maior parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Atualmente, parece inevitável que, com o grau de tecnologia existente tanto a nível de sensores bem como a nível dos meios para os colocar em operação no terreno, esta forma de gerir as produções agrícolas e agroflorestais tenha tendência a evoluir de uma forma muito rápida. Contudo, é consensual na opinião de muitas pessoas interessadas e estudiosas deste tema (e das quais fomos tendo retorno) que ainda há um elevado fosso entre a etapa altamente tecnológica da aquisição de dados (válidos e exatos) e a sua transformação em outputs claros, diretos, compreensíveis e válidos para o agricultor/ produtor, de uma forma a que se apliquem diretamente “no terreno”. O valor acrescentado nesta cadeia de valor estará, sem dúvida, no desenvolvimento desta ponte entre estas duas etapas.
Referências:
[1] Micasense, “User Guide for MicaSense Sensors”, Revision 09, Seattle, WA, January 2021
[2] Yan Zhu, “Crops Water Status Quantification using Thermal and Multispectral Sensing Technologies”, School of Agricultural and Biological Engineering, West Lafayette, Indiana, May 2022
[3] Rouse, J.W.; Haas, R.H.; Schell, J.A.; Deering, D.W., “Monitoring vegetation systems in the Great Plains with ERTS”, Greenbelt, NASA SP-351, 1974