Da Sustentabilidade: uma forma moderna de medir a forma mais tradicional de Captura de Carbono
O papel do carbono na equação da sustentabilidade
A redução de dióxido de carbono no ar para os níveis típicos anteriores à Revolução Industrial e às sociedades urbanas é um eixo chave do Desenvolvimento Sustentável. As florestas são uma das formas mais comuns e mais eficientes de armazenar o carbono através do processo de fotossíntese que captura o dióxido de carbono, liberta oxigénio enquanto armazena o carbono em todos os segmentos da árvore: há carbono na madeira (a parte mais densa da árvore), nas raízes e também nos ramos e nas folhas.
Quanto mais tempo a árvore estiver de pé, mais tempo o carbono permanece capturado. Contudo, usar produtos florestais é útil para a sociedade e também para o meio ambiente pois permite guardar ou circular parte do carbono consoante os usos:
- Algum do carbono permanece capturado por décadas (por ex: ao fazer mobiliário ou incorporar madeira nos materiais de construção)
- Algum do carbono será usado, depois parcialmente reciclado e parcialmente incinerado ou processado numa fábrica de tratamento de resíduos (por ex: uso de papel para escrita que depois será cartão para embalagem). Neste processo, uma parte do carbono será devolvido à atmosfera.
- Algum do carbono regressará mais rapidamente à atmosfera por meio da queima (por ex: para cozinhar e aquecer) enquanto substitui outras fontes de carbono menos renováveis.
Em qualquer caso, conhecer e monitorizar o ciclo do carbono terrestre é da maior importância para saber quão eficiente é o processo de captura do carbono. Uma estimativa quantitativa, auditável do carbono armazenado nas florestas, dividido nas suas diferentes formas e camadas e quanto valor ele representa é fundamental para quaisquer “serviços de ecossistema” que venham a ser remunerados pelas sociedades ou partes interessadas (stakeholders).
Neste texto, a Albatroz Engenharia apresenta o seu método baseado em dados experimentais para estimar o conteúdo de carbono das florestas.
A necessidade de amostras e as estratégias de amostragem
As florestas crescem em áreas grandes, remotas e esparsamente povoadas onde é difícil e dispendioso enviar trabalhadores. Além disso, a maior parte do rendimento económico das florestas surge de forma concentrada, com intervalos de décadas entre sucessivos momentos de receita para a mesma parcela. Por isso, todos os custos operacionais devem ser decididos com o máximo de parcimónia.
Uma combinação de técnicas tradicionais e teconlogia moderna mostram como resolver um leque tão vasto de desafios sociais, ambientais, técnicos e económicos, quer no terreno quer no computador [1] e em diferentes tipos de florestas.
A amostragem surge como uma resposta chave para a aquisição eficiente de dados no terreno. Mesmo sabendo que há protocolos bem estabelecidos para determinar grau de heterogeneidade das parcelas florestais que determinam a necessidade de uma nova amostra e o ratio entre amostra e população dessa parcela, a Albatroz propõe tirar partido das novas tecnologias para:
- combinar levantamentos terrestres com aéreos para melhor estimar, respectivamente, as características horizontais e verticais da floresta;
- aumentar a área de amostragem, reduzindo a sensibilidade a casos “excêntricos” e às aproximações;
- combinar levantamentos da mesma área com técnicas diferentes para corroborar, pelo menos parcialmente, a fiabilidade dos diferentes métodos de levantamento e amostragem;
- fazer levantamentos transversais para identificar e realçar a heterogeneidade da floresta, verificando deste modo se a partição das parcelas corrobora a realidade da floresta em pé.
Os resultados dos levantamentos devem ser validados por peritos usando diferentes métodos para calcular as mesmas variáveis de forma a identificar as limitações e aproximações de cada método de amostragem. O resultado final dos diferentes métodos deverá ser mais próximo da realidade do que qualquer um dos métodos individuais. A contagem de árvores é um exemplo simples dos benefícios desta abordagem. Em floresta densas de pinheiro, conta-se o número de troncos de pinheiro a partir do solo e conta-se o número de copas a partir do ar; em ambos os casos o resultado é uma estimativa do número de árvores. As observações mostram que a estimativa terrestre é normalmente superior à estimativa aérea porque as árvores dominantes abrigam as árvores mais baixas sob a sua copa, tornando-as invisíveis a partir do ar. Uma observação da mesma parcela pelos dois métodos permite concluir que este efeito causa um desvio – admita-se de 8% como exemplo. Porém, um levantamento aéreo que detecte variações na densidade e características das árvores em toda a área florestal a estudar permitirá definir melhor as parcelas de amostragem e ajustar este desvio, limitado a priori entre os 5% a 15%, aos resultados de campo de cada zona, proporcionando uma melhor estimativa do número de árvores, além de oferecer a caracterização das árvores dominadas como informação secundária.
Regras de Inferência
Actualmente, a maioria dos levantamentos terrestres e aéreos requerem a presença de pessoas no terreno, na vizinhança senão mesmo dentro da floresta. Por isso, se é necessário ir à floresta, o maior desafio é tornar tão eficiente quanto possível o uso simultâneo do cérebro e dos músculos disponíveis enquanto as pessoas estão lá.
Os métodos tradicionais de levantamento usam uma suta para medir amostras com áreas típicas entre 400m2 e 1000m2, muito raramente superiores a meio hectare (5000m2). Consoante as espécies florestais, esta área pode representar algumas dúzias, raramente mais de uma centena, de árvores. Se se levar 2 minutos para recolher dados e deslocar-se até à árvore seguinte, isso significa que cada amostra requer o mínimo de duas horas.
O uso de laser scanner móveis portáteis, que são uma aplicação de tecnologias LiDAR, permitem levantar um amostra semelhante num período inferior a meia hora desde que não haja arbustos que impeçam a visibilidade entre árvores adjacentes. Por esse motivo, faz sentido 1) fazer um varimento LiDAR para uma área maior aproveitando a maior rapidez e 2) fazer uma medição com suta de uma pequena porção da amostra para corroborar e calibrar as medições de Diâmetro à Altura do Peito [DAP] e, em alguns casos, as estimativas de altura dos troncos.
Se forem detectadas diferenças entre os métodos, é possível fazer correcções para todas as árvores de uma amostra e calibradas para essa amostra. Além disso, torna-se possível comparar levantamentos históricos feitos com suta com as medidas recentes feitas com LiDAR aplicando o factor de calibração estimado.
O passo seguinte de inferência é comparer os levantamentos terrestres com os levantamentos aéreos usando UAS (aeronaves não tripuladas, também conhecidas por drones) para estimar o número e altura das árvores, com descrito no exemplo anterior. Uma vez que a deslocação pelo ar é normalmente menos constrangida do que a marcha a pé pela flroresta, faz sentido aumentar a amostra aérea enquanto se mantém as amostragens terrestres, quer LiDAR quer por suta, que servem para estabelecer uma aproximação à “verdade no terreno” (ground truth).
Usando outras tecnologias aéreas, sejam elas aeronaves não tripuladas, helicópteros ou aviões tripulados, é possível cobrir dezenas ou centenas de hectares num só dia, oferecendo muito mais dados do terreno e capturando as inevitáveis modulações e variações da realidade, do que seria alcançado através de algumas amostragens isoladas no solo, mesmo que efectuadas pelo pessoal mais competente e eficiente.
A Albatroz considerou também o uso de veículos terrestres todo o terreno para realizar inspecções no interior das florestas mas ainda está por demonstrar que estes tragam ganhos significativos de eficiência.
A primeira imagem mostra a amostra realizada com LiDAR terrestre (círculo a vermelho) com duas variantes da sub-amostra a ser feita por medição à altura do peito com suta (círculo e quadrilátero dourados)…
Figura 1: Amostras para medição com LiDAR terrestre e medição com suta
… enquanto a segunda imagem mostra as duas amostras como parte de uma amostra mais ampla para levantamentos aéreos. O ratio entre a área coberta com suta e com LiDAR terrestre pode variar entre 5 e 10 enquanto o ratio para o LiDAR aéreo ultrapassa o factor 10 vezes e se o LiDAR aéreo for substituído com tecnologia de imagem que permita voar ainda mais longe da copa das árvores, este ratio pode ultrassar o factor 100 vezes.
Figura 2: Amostras terrestres (LiDAR + suta) comparadas com levantamento aéreo
A Albatroz também comparou os levantamentos aéreos com os levantamentos por satélite, em especial o caso de avaliação pós-incêndio florestal: os dados do satélite Sentinel-II que são parte do programa Copérnico da UE foram usados na detecção de árvores sobreviventes na Mata Nacional de Leiria, Portugal [2]. A análise mostra que os UAS oferecem melhor relação valor/custo para as áreas típicas de floresta a estudar, situadas na gama das dezenas a centenas de hectares, consoante a região e a espécie florestal.
Os procedimentos consoante a tecnologia
Os técnicos da Albatroz que pilotam os UAS são também capacitados para usar os sistemas terrestres (LiDAR, câmaras, suta, etc.). Além disso, o facto de eles observarem a floresta de diferentes perspectivas ajuda-os a decidir quais os parâmetros que são melhor observados de cada ponto de vista.
O principal reservatório de carbono, e aquele que tem maior valor económico no caso das florestas de exploração comercial, é o tronco da árvore. Para o estimar, usa-se o diâmetro a diferentes alturas juntamente com a altura total da árvore. Com a suta, apenas um dos diâmetros é tomado: o diâmetro à altura do peito [DAP] enquanto que com LiDAR terrestre é possível medir diâmetros a intervalos regulares desde o solo até 5 a 10 metro de altura, dependendo dos sistemas, dos povoamentos e do tipo de árvore. A altura da árvore é utilizada para compeltar a estimativa da madeira. Nos casos em que há modelos locais de crescimento e de idade do povoamento, estes são combinados para estimar o crescimento padrão e comparar com as estimativas obtidas no terreno.
A imagem seguinte mostra um exemplo de um tronco segmentado usando LiDAR: a nuvem de pontos original, a segmentação do tronco na horizontal e ambos juntos; a caixa envolvente do tronco tem cerca de 0,42 m2 de área no solo e cerca de 2,9m de altura.
Figura 3: Segmentação do tronco da árvore (Eucalyptus globulus)
Os ramos são um contribuinte secundário para a madeira e retenção de carbono, especialmente nas árvores não coníferas tais como as espécies mediterrânicas: sobreiro, azinheira, oliveira/zambujeiro, etc.) e o seu contributo estima-se indirectamente pesando a lenha recolhida das árvores caídas e usando cálculos proprocionais a partir de modelos conhecidos: diâmetro da copa, número de ramos primários, altura da base da copa e altura ao ápice.
Finalmente, o contrbuto das raízes e as folhas para o total de carbono retido é obtido por modelos teóricos aplicados aos parâmetros físicos das árvores pois é demasiado difícil ou oneroso estimá-lo experimentalmente.
O uso combinado de LiDAR aéreo e terrestre permite obter o número de árvores de um povoamento e a altura das árvores individuais dominantes sobre outras árvores dominadas. A quarta imagem (a seguir) mostra um combinação destas aplicada a uma área de eucaliptos: o LiDAR terrestre, seguido do LiDAR aéreo e as duas nuvens combinadas:
Figura 4: LiDAR terrestre, LiDAR aéreo e os dois combinados
As cores ilustram a intensidade do sinal recebido e escolheu-se escalas diferentes para melhor distinguir as duas nuvens. Pode verificar-se que a intensidade do LiDAR terrestre é mais homgénea porque as distâncias medidas são mais curtas e mais perpendiculares enquanto no LiDAR aéreo há maior variação de intensidade dada a dificuldade de penetrar as copas e uma maior variação de distâncias medidas e incidência quase tangencial aos troncos.
A quinta imagem mostra outra forma de integração sensorial: mostra uma fiada de eucaliptos combinando fotogrametria (branco) com LiDAR terrestre (vermelho) para chegar aos mesmos resultados: número de árvores, altura e diâmetro dos troncos. Além disso, mostra em classificação adicional o solo (amarelo) e o sub-bosque (verde).
Figura 5: Levantamento de fotogrametria aérea combinado com LiDAR terrestre
Os arbustos e vegetação rasteira que constituem o sub-bosque são mais difíceis de modelar e são medidos em volume que são depois convertidos em massa e conteúdo de carbono de acordo com modelos pré-estabelecidos. Não obstante, a imagem acima mostra a estimativa automática do volume de sub-bosque obtida a partir de LiDAR terrestre. Da comparação entre a quarta e a quinta imagens, mesmo sabendo que se trata de parcelas diferentes da mesma espécie (Eucalyptus globulus sp.), é fácil concluir que o LiDAR aéreo penetra muito melhor o coberto florestal do que a imagem da fotogrametria.
Validação
A etapa final é a validação de resultados baseados nos dados de campo e nos cálculos usados.
A fórmula de cálculo mais precisa ocorre quando as florestas comeciais são cortadas, pesadas e vendidas. Porém, dado que as raízes, os ramos, as copas e o sub-bosque raramente têm valor comercial, é importante encontrar métricas que remunerem o cálculo desta fracção do carbono capturado, pelo menos num conjunto de amostras de uma parcela posta ao corte.
Algumas aproximações podem obter-se da biomassa retirada do solo e pesada ou medida (em termos de número de camiões, por exemplo). Estas operações são feitas a intervalos regulares e, no caso de algumas espécie, também produzem produtos secundários que podem ser usados como indicador do carbono total capturado em toda a árvore e todo o povoamento. O sobreiro é um caso especial em que este produto secundário – a cortiça – se transforma no produto principal de maior valor.
Conclusões
Nas últimas duas décadas, a Sustentabilidade exprimiu-se mais por palavras do que por números e mesmo quando se fala de números, é sobretudo para falar de previsões. Os cenários de longo prazo são terreno fértil para debates e divergências. Não é assim quando se olha o passado, por isso deve-se agir ao contrário: para quantificar a Sustentabilidade, deve-se medir o que está a acontecer no terreno. São esses cálculos que providenciarão as melhores raízes para os debates sobre o futuro da Terra e da nossa própria espécie.
Referências
[1] Zack Parisa, Max Nova, “How AI will revolutionize Forestry”, IEEE Spectrum, August 2020
[2] Andreas Bayer, “Biomass forest modelling using UAV LiDAR data under fire effect”, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal, December 2019